quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um Banco sem lucros - conto dedicado a Passos, o Coelho

Estava à porta do Banco. Quase na hora. Um frio de rachar. Todos os meus músculos sentiam o frio, pois ainda não tomara o pequeno-almoço. Dentro de minutos, Paulo abriria a porta. Não ía depositar dinheiro, porque este era um banco diferente, um Banco Alimentar...

Uns meses antes caira no desemprego. A minha vida desabou. As contas que pagava já com dificuldade passaram a ser baionetas que chegavam pelo correio. Pediam-me que pagasse o que não podia. Os cartões de crédito sem pagar foram o primeiro embate: retirados. E a minha vida bancária manchada e bloqueada para sempre. Pedi apoio nas instituições da praxe. Lentas e por vezes refilonas e desconfiadas, mas lá veio a comida.

As contas já não penso nelas. Perdi tudo. Os tribunais levaram-me tudo o que tinha em casa. Tudo menos a minha mulher. Porque essa já a tinha perdido. Largara-se um belo dia quando já não aguentava ver-me sem emprego, a definhar dia após dia.

Eu compreendi. Sem família, sem dinheiro, sem emprego, sem perspectivas. Esta era a minha Europa, o meu futuro não sonhado, porque o sonho já não existia. Tudo se desmoronara como um castelo de cartas perante a minha impotência. Sonhei um dia ser alguém, ser engenheiro. Agora agradeço que ninguém me reconheça.

Paulo chegou. Na mão o meu cartão. O cabaz quinzenal do Banco Alimentar. Não é muito, mas mata-me a fome para os primeiros 10 dias, se bem racionado:

- 2 pacotes de leite
- 1 embalagem de 250 gr. de café, em grão
- 8 iogurtes líquidos magros
- 1 saco de arroz
- 1 pacote de massa
- 500 gramas de feijão vermelho em lata
- 2 pacotes de miniaturas de palitos "la reine"
- 1 pacote de 300 gramas de cereais
- 2 latas de atum
- 1 frango congelado
- 20 mini-salsichas em lata
- 500 gramas de queijo fundido fatiado
- 3 litros de sumo de laranja em pacote
- 2 litros de detergente líquido para a roupa
- 1 pacote de manteiga
- 2 melôas

Nos restantes dias arrumo carros ou peço mais qualquer coisa às instituições, onde como sopa e pão. Não passo fome. Todos ajudam um pouco. Os meus amigos, ou "colegas" de miséria, se assim lhes posso chamar são maioritariamente pessoas que há muito conhecem esta vida. Pessoas que um dia foram pessoas como as outras, pessoas "a sério", e que agora vivem um dia de cada vez racionando a sua miséria, distribuindo-a um pouco para o dia seguinte.

Já nem ambicionam vir a trabalhar porque ninguém os quer. Alguns por doença, outros porque já quase nem dentes têm, porque a alimentação débil os foi misturando, aos poucos, com a comida... Outros porque não conseguem largar "o vício". A vida foi madrasta para todos eles, os meus novos "colegas". E eu tornar-me-ía, aos poucos, dia após dia, num espelho deste outro "mundo", agora também o "meu" mundo...

Aqui ninguém sabe o que se passa em Portugal ou lá fora.
Aqui ninguém conhece o nome Pedro Passos Coelho...

posto por Pedro Duarte

8 comentários:

JotaB disse...

Para todos os DESVALIDOS, deixo aqui um poema de António Gedeão:


Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


O sofrimento dos PORTUGUESES nada diz aos pedros coelhos, aos josés de sousa e outros trastes da nossa praça.

Até um dia!

JotaB disse...

Artigo de opinião de Henrique Neto, publicado no Jornal de Leiria desta semana:

Crónicas sobre o futuro

José Sócrates
e Pedro Passos Coelho
no buraco e a cavarem

A semana passada
a economia
e as
f i n a n ç a s
portuguesas
levaram mais um tombo
de monta com a descida
do rating da República,
a consequente queda
a pique do valor das
empresas portuguesas
na Bolsa e um grande
aumento dos juros da
dívida pública. Em resposta,
José Sócrates e o
Governo, fizeram aquilo
que foi sublinhado no
jornal Público, através
de uma imagem feliz: o
primeiro ministro tenta
sair do enorme buraco
da economia portuguesa,
cavando mais. De
facto, o Governo teima
em não aprender nada
e em vez de olhar para
os erros e as omissões
das politicas económicas
e financeiras seguidas
nos últimos anos,
ataca o mensageiro em
vez de procurar entender
a mensagem. Os
apoiantes de José Sócrates,
por sua vez, encontraram
as explicações
mais esfarrapadas para
a situação criada, continuando
a esconder dos
portugueses a realidade.
A crise internacional e
as dificuldades dos gregos
foram as razões
novamente evocadas
para evitar olhar de frente os problemas
nacionais.
Há mais de dez anos que alguns “pessimistas
e miserabilistas”, como eu próprio,
denunciam os erros cometidos na
gestão politica da economia portuguesa.
Durante estes anos vimos os espinhos
onde os governos só viam rosas e foi
com base nessa visão mirífica que gastaram
à tripa forra, sem conta nem medida.
Recorreram a todos os truques possíveis:
adiar os pagamentos aos fornecedores;
criar empresas, como as Estradas
de Portugal e a Parque Escolar, para
parquear dívidas; fizeram obras públicas
a preços exorbitantes e com revisões
escandalosas dos preços inicialmente
propostos; gastaram quantias absurdas
em pareceres e em estudos dos mais variados,
que raramente utilizaram; pagaram
salários obscenos aos gestores amigos,
públicos e privados; elevaram os padrões
de consumo e as mordomias do Estado,
desde os automóveis de luxo às viagens
caras; perderam milhares de milhões de
euros em aventuras empresariais no
estrangeiro, como, por exemplo, nas
Águas de Portugal e, estou certo, acontecerá
na EDP; desperdiçaram oportunidades
de negócios e de
receitas, como aconteceu
no caso das Contrapartidas;
venderam
aos especuladores amigos
o território nacional;
deixaram instalar a
corrupção, para não dizer
que a incentivaram, bem
como a especulação na
economia.

(continua...)

JotaB disse...

Dizer que os
nossos problemas resultaram
da crise internacional,
só pode ser por
ignorância ou interesse.
Estamos agora a viver
o romance das grandes
obras públicas , com o
Presidente da República,
o PSD e o CDS a
proporem adiar por
alguns anos os projectos
principais, mas com
José Sócrates, teimosamente,
a insistir na cavação
do buraco criado,
agora com a ajuda preciosa
do novo líder do
PSD, Pedro Passos Coelho.
O qual, para não me
deixar mentir nas minhas
previsões, iniciou a carreira
como líder a entender-
se facilmente com
José Sócrates. Começou
com uma reunião a sós,
para que nada se saiba
do que foi acordado,
secretismo que abriu a
porta à reunião seguinte,
em que, muito convenientemente,
o novo
líder do PSD esqueceu
a prometida revisão do
PEC e o reivindicado adiamento das obras
públicas. Mas não esqueceu os cortes nos
direitos sociais e, para isso, acordaram
reduzir o pagamento aos desempregados.
Milagre: há uns meses, num debate
público no hotel Sheraton em Lisboa,
na presença do próprio Pedro Passos Coelho,
afirmei que ele se colocaria facilmente
de acordo com o primeiro ministro,
porque ambos vieram para o mesmo:
engordar as empresas do regime e
os seus dois partidos, à custa dos portugueses
pobres e da classe média. Não tive
de esperar muito.
Pedro Passos Coelho é o líder da facção
do PSD que pretende não ficar de
fora das mordomias que o Estado dá e
que tem pressa de entrar na divisão dos
despojos das obras públicas com o PS.
Por outro lado, só poderá ser primeiro
ministro quando chegar a autorização
necessária do bloco central dos interesses
e isso só acontecerá quando José
Sócrates deixar de cumprir bem a sua
missão. Nesse momento, mas só nesse
momento, Pedro Passos Coelho poderá
avançar para ser primeiro ministro.
Para o compreender, basta olhar as
estrelas.


HENRIQUE NETO
empresário
netohenrique8@gmail.com

Diogo disse...

Se algum dia me acontecer tal coisa, pode ter a certeza que iria procurar alguns políticos corruptos (não iria atrás dos grandes nem dos banqueiros, que devem estar atulhados de guarda-costas), e limpava-lhes o sebo – e depois suicidava-me.

Fugiria de uma vida atroz mas teria a preocupação de levar alguns parasitas comigo.

Era o que eu faria.

JotaB disse...

Sem palavras...

http://www.youtube.com/watch?v=tJa_3UKWZ8U&feature=related

Lusitano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lusitano disse...

Caro
Pedro Duarte,
O seu conto não é assim tão fantasioso como possa parecer, isso acontece já hoje com muita gente, gente, que nunca pensou em chegar a tal ponto, eu próprio, que há mais de 15 anos sou tido como um excêntrico e pessimista, até pela minha família, estou completamente admirado porque isto ainda está pior do que aquilo que eu previa, curiosamente, o Sr. Pinto de Sousa, vem com arengas de que anda por aí gente a desmoralizar os portugueses e a pintar isto pior do que realmente está.
Então, diga-me ele, no meu caso muito em concreto, sendo fotógrafo há umas dezenas de anos, tendo um pequenos estúdio que já chegou a ter dias de fazer 50/60 contos, hoje em dia quando faço 50/60 Euros é uma festa, muitas vezes, nem sequer faço um tostão, e não sou só eu, há muita gente na mesma, o que me espera, a corda ao pescoço como o Amigo Diogo apontou???
Será, que não há já muita gente que pensa naquilo que ele disse???
Será, que não vamos ver um dia destes, um desses pilantras levar com um tiro nos miolos? Será assim tão difícil???
Quando se leva as pessoas à miséria total, o desespero, às vezes, provoca certas reações que ninguém espera, é pois, bom, que essa malta comece a pensar bem na merda que tem feito, que já tem as mãos manchadas de sangue, nos suícidios que tem provocado, não se esqueçam disso.
Um dia, as contas com os respectivos juros serão apresentadas.
Cumprimentos.

LUSITANO

Lusitano disse...

Caro
Pedro Duarte,
O seu conto não é assim tão fantasioso como possa parecer, isso acontece já hoje com muita gente, gente, que nunca pensou em chegar a tal ponto, eu próprio, que há mais de 15 anos sou tido como um excêntrico e pessimista, até pela minha família, estou completamente admirado porque isto ainda está pior do que aquilo que eu previa, curiosamente, o Sr. Pinto de Sousa, vem com arengas de que anda por aí gente a desmoralizar os portugueses e a pintar isto pior do que realmente está.
Então, diga-me ele, no meu caso muito em concreto, sendo fotógrafo há umas dezenas de anos, tendo um pequenos estúdio que já chegou a ter dias de fazer 50/60 contos, hoje em dia quando faço 50/60 Euros é uma festa, muitas vezes, nem sequer faço um tostão, e não sou só eu, há muita gente na mesma, o que me espera, a corda ao pescoço como o Amigo Diogo apontou???
Será, que não há já muita gente que pensa naquilo que ele disse???
Será, que não vamos ver um dia destes, um desses pilantras levar com um tiro nos miolos? Será assim tão difícil???
Quando se leva as pessoas à miséria total, o desespero, às vezes, provoca certas reações que ninguém espera, é pois, bom, que essa malta comece a pensar bem na merda que tem feito, que já tem as mãos manchadas de sangue, nos suícidios que tem provocado, não se esqueçam disso.
Um dia, as contas com os respectivos juros serão apresentadas.
Cumprimentos.

LUSITANO